TRAJETÓRIAS DE CLÉRIGOS DE COR NA AMÉRICA PORTUGUESA: CATOLICISMO, HIERARQUIAS E MOBILIDADE SOCIAL.

 

Anderson José Machado de Oliveira*

 

 

Introdução

 

O processo de ordenação de homens de cor ao clero secular, na América Portuguesa, é a temática central deste artigo. Ao se considerar tão somente os textos canônicos, a conclusão seria pela impossibilidade deste tipo de ação no âmbito da Igreja. As Constituições Sinodais do Arcebispado de Lisboa, aprovadas em 1640, que vigoraram no Brasil até a promulgação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707, colocavam como impedimento para promoção às ordens sacras ter “parte de nação hebreia, ou de outra infecta, ou de negro ou de mulato”[1]. O texto em questão é praticamente o mesmo reproduzido nas constituições baianas de 1707, embora estas fossem mais rígidas, pois exigiam que os impedimentos fossem verificados já quando da pretensão ao recebimento das ordens menores[2]. Ou seja, em tese as constituições lisboetas admitiam clérigos in minoribus tonsurados, que poderiam exercer as funções de ostiário, leitor, exorcista e acólito sem que passassem por provas de impedimentos, o que pelas constituições da Bahia era vedado.

 

No caso da legislação baiana, que passou a ser respeitada por todas as dioceses na América Lusa, parece evidenciar-se que as questões locais, relativas à escravidão e ao rol de hierarquias por ela constituído, influenciaram na adaptação da legislação canônica. O quadro delineado confirma as observações de Figueirôa-Rego e Olival quanto ao peso das questões locais na definição das classificações e distinções sociais com base na cor no império português. Para estes autores o zelo das elites locais por pressões classificatórias fez com que, por vezes, na metrópole a tolerância à ascendência negra fosse maior que em outras partes do império[3].

 

O crescente peso da escravidão africana, a partir de meados do século XVII, e o consequente desenvolvimento do processo de mestiçagem biológica, social e cultural acabariam por exigir a reformulação dos processos classificatórios que mediavam a construção das hierarquias sociais na América Portuguesa. À medida que o regime escravista se expandiu, ampliou-se a necessidade de recriação das hierarquias sociais. O alto índice de manumissões que caracterizou a América Portuguesa singularizou uma sociedade onde uma camada importante de homens livres de cor exigia novas classificações sociais que os afastasse do universo do cativeiro. Ao mesmo tempo tornou-se fundamental o estabelecimento de diferenças entre os livres de cor e o grupo dos cristãos velhos[4]. Diante de tais questões, não só uma elite branca procurou afirmar suas diferenças em relação aos escravos, aos manumissos e aos brancos pobres; mas também os segmentos livres de cor buscaram igualmente diferenciar-se, principalmente dos escravos. O ideal de uma sociedade corporativa construída a partir dos referenciais do Antigo Regime, em consonância com a escravidão, naturalizava as desigualdades e reafirmava as hierarquias em prol da manutenção de uma ordem social excludente.

 

Considerando este contexto, propõe-se analisar os possíveis significados das ordenações dos homens de cor. A solicitação de dispensas de impedimentos foi uma prática que, no caso específico da ordenação sacerdotal, era gerenciada pelo poder eclesiástico. Para os descendentes de africanos, a dispensa do defeito da cor foi uma das mais importantes, contudo não a única solicitada. Acredito que ao manejar tais dispensas, a Igreja afirmava-se enquanto um lócus de poder a gerir, conjuntamente com o Estado, o rol de hierarquias vigentes, reforçando o sentido da ordem social. Por outro lado, para os segmentos de cor que conseguiram acessar o sacerdócio, a dispensa para a ordenação configurava-se num efetivo mecanismo de mobilidade social que, embora demarcasse um processo de relativa autonomia destes grupos, não deixava de reiterar os critérios hierárquicos que reforçavam aquela mesma ordem.

 

Uma primeira dificuldade no tratamento destes casos é a sua própria localização e identificação. Este problema também foi percebido por outros pesquisadores que trabalharam com o ingresso de grupos estigmatizados no clero secular. Em relação aos mestiços, na América hispânica, Olaechea afirma que é difícil precisar o número exato daqueles que foram ordenados, já que não se pode construir estatísticas sobre afirmações gerais, principalmente, quando estas estão baseadas nas denúncias contra este tipo de ordenação. Ainda segundo este autor, outra questão que se punha era a ocultação da ascendência que poderia demarcar um processo de ascensão social ou mesmo a fuga da atribuição de estigmas classificatórios[5]. Menegus e Salvador atestam dificuldades semelhantes para localizar os índios que foram ordenados na Nova Espanha entre o fim do século XVII e início do século XIX. A atribuição de nomes cristãos aos indígenas é vista como uma das principais dificuldades[6].

 

Percebo em relação aos indivíduos com os quais venho trabalhando, no âmbito do antigo bispado do Rio de Janeiro[7], dificuldade semelhante. Uma questão que me parece evidente e que vem sendo sobejamente comprovada pela historiografia é que o processo de afastamento do universo do cativeiro e de mobilidade social tendeu a produzir situações de embranquecimento ou silenciamento sobre a cor[8], o que, como demonstrarei adiante, pode ser percebido pela trajetória de alguns sacerdotes de origem negra. Encontra-se, na América lusa, um quadro semelhante àquele identificado em relação às famílias de mestiços, índios e mulatos na América espanhola, ou seja, uma supressão das origens como forma de apagar a desqualificação pregressa e demarcar um novo posicionamento superior na escala social.

 

 

Mapa N° 1: Divisão dos Bispados na América Portuguesa até 1745

Fonte: Rubert, Arlindo, A Igreja no Brasil- Expansão Territorial e Absolutismo Estatal (1700-1822), Editora Pallotti, Santa Maria (RS)1988, p. 144.

Mapa N° 2: Divisão dos Bispados na América Portuguesa depois de 1745

Fonte: Rubert, Arlindo. A Igreja no Brasil- Expansão Territorial e Absolutismo Estatal (1700-1822), Editora Pallotti, Santa Maria (RS), 1988, p. 145.

 

Deste modo, o trabalho até aqui desenvolvido baseia-se numa amostragem aleatória dos sacerdotes de cor identificados entre meados do século XVII e as duas primeiras décadas do século XIX. O caráter aleatório, no entanto, não assume aqui uma postura metódica, já que traduz casos que foram encontrados mediante o cruzamento de informações provindas de fundos diversos como genealogias, testamentos, livros de assentos da Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro, além de trabalhos que reconstituíram trajetórias de famílias de libertos. Portanto, trata-se de uma amostra que não se presta a afirmações quantitativas ou estatísticas de caráter mais geral. Todavia, insisto no valor de seu caráter qualitativo, ou naquilo que Edoardo Grendi assinalou como o “excepcional que pode ser extraordinariamente ‘normal’, precisamente por ser revelador”[9].

 

Até o presente estado da pesquisa, localizei 30 indivíduos de cor que deram entrada em processos de habilitação sacerdotal junto à Câmara Eclesiástica do bispado do Rio de Janeiro. Destes, observar-se que 18 habilitações apresentam todas as fases do processo de recebimento das ordens sacerdotais, contendo as peças de genere, vita et moribus e patrimônio, além das certidões de dispensas. Com relação a esses, pode-se afirmar com segurança que completaram o ciclo e habilitaram-se a receber todas as ordens menores (ostiário, leitor, exorcitsa, acólito) e maiores (subdiácono, diácono, presbítero). Uma das habilitações apresenta genere e vita et moribus, embora não constando o patrimônio pode-se também ter certeza do fim do processo de ordenação, pois a ela está apensada  uma solicitação de designação para uma paróquia. Três habilitações apresentam genere e patrimônio, a presença deste último já indicava um processo em vias de desfecho já que o mesmo era exigido para o recebimento das ordens maiores. Todavia, por informações de outras fontes, é possível afirmar com certeza que dois entre os três foram ordenados. O terceiro caso desta série não apresenta dados que permitam afirmar o fim do processo, mas somente a recepção da ordens menores. Outra habilitação apresenta somente o vita et moribus e o patrimônio, e embora não esteja completa, posso assegurar-me de sua conclusão em função do testamento do pai do sacerdote que menciona a conclusão do processo de ordenação[10]. Uma das habilitações apresenta somente o patrimônio, no entanto, é possível ter certeza da ordenação em função do habilitando também ter caído nas malhas do Santo Ofício e o processo instaurado, que traz a cópia do gênere, referir-se ao mesmo como sacerdote ordenado do hábito de São Pedro[11]. Dois outros processos apresentam somente o genere e só se pode ter segurança quanto ao recebimento das ordens menores. Por fim, quatro casos não apresentam nenhuma das três peças processuais acima mencionadas, constando tão somente uma reverenda[12], um pedido de compatriotado[13],além de dois instrumentos de justificação de limpeza de sangue.

 

Considerando esta leitura preliminar dos 30 processos de habilitação, é possível afirmar com alguma segurança que 24 deles redundaram na ordenação com recebimento das ordens menores e maiores, formando sacerdotes com plenas funções ministeriais. Este número, no entanto, não deve promover a ilusão de que este caminho fosse fácil e acessível a todos os homens de cor. É importante salientar que tanto em uma amostragem probabilística quanto no recorte que construí, só é possível acessar os casos bem sucedidos. Deste modo, não se tem a ideia dos pedidos que foram negados ou não foram adiante.

 

Diante do exposto, a proposta deste artigo é a comparação de duas trajetórias entre os casos até o momento identificados. Volto a insistir no fato de que os 30 casos indicados permitem aproximar-me de algumas tendências. A distribuição cronológica dos processos de habilitações identificados é desigual, pois 7 deles situam-se entre a segunda metade do século XVII e primeira metade do século XVIII, enquanto os 23 restantes estão localizados na segunda metade do setecentos e nas primeiras duas décadas do século XIX. Como a seleção dos casos não se deu por amostragem probabilística, há uma distorção que não permite generalizações mais amplas. No entanto, o maior número de processos na segunda metade do século XVIII foi uma tendência também percebida por Margarita Menegus e Rodolfo Aguirre quando analisaram as ordenações de índios para a Nova Espanha. Segundo estes autores, o período teria sido marcado por uma maior tolerância no acesso à universidade e às carreiras eclesiásticas, resultado de um intenso processo de diversificação social, marcado por uma maior mobilidade social dos grupos inferiores e médios, característico do período colonial tardio[14]. Em um levantamento preliminar que realizei das habilitações autuadas junto ao bispado do Rio de Janeiro, no período entre 1640 e 1822, encontrei dados semelhantes aos que Menegus e Aguirre encontraram para a Nova Espanha. Das 3587 habilitações impetradas, 1041 (29%) ocorreram entre 1640 e 1750; 2546 (71%) se deram no período entre 1751 e 1822. Com efeito, embora a amostra que trabalho não seja exaustiva a mesma aproxima-se desses percentuais distribuídos ao longo desses dois períodos, pois as sete habilitações encontradas para o primeiro período representam em números relativos 23,3% do total e as vinte e três do segundo período correspondem a 76,7% do total.

 

Deste modo, guardando as devidas proporções com o caso da Nova Espanha e considerando as possíveis margens de erro de minha amostra, os casos aqui analisados podem refletir, mesmo que limitadamente, um primeiro momento de formação da sociedade escravista na área abrangida pelo bispado do Rio de Janeiro e um segundo momento assinalado pelas transformações que marcaram a América portuguesa na segunda metade do século XVIII, principalmente, em função do intenso e contínuo crescimento do tráfico atlântico de cativos. A migração forçada de africanos contribuiu para tornar a eles e seus descendentes o maior contingente populacional da América lusa. Por outro lado, consolidavam-se novas formas de acumulação econômica que estiveram cada vez mais dependentes do capital mercantil, pavimentando a hegemonia de uma nova elite econômica marcadamente ligada ao comércio que gradativamente iria avançando sobre os espaços tradicionalmente controlados pela velha “nobreza da terra”[15]. Tais transformações promovidas pela intensificação do tráfico e pela consolidação de uma economia mercantil se refletiriam em novos arranjos sociais. Os padrões hierárquicos do Antigo Regime continuavam ainda como balizadores das relações sociais, no entanto, não só a dependência da mão de obra cativa, mas a ampliação significativa do número de manumissões exigiria a redefinição dos arranjos hierárquicos não só entre a população branca e a população de cor, mas também no interior desta última. Por sua vez, a acumulação via comércio e trabalho manual implicavam em maiores flexibilizações em relação aos antigos padrões de enobrecimento e prestígio. Deste modo, antigos símbolos de ascensão social continuavam a ser valorizados, no entanto, o acesso a eles tornava-se mais diversificado, porém, não menos hierarquizado. Talvez este contexto possa explicar o maior número de processos de ordenação para a segunda metade do setecentos e a consequente diversificação do acesso ao clero secular.

 

Com relação às habilitações identificadas, os casos situados entre a segunda metade do século XVII e primeira metade do século XVIII, no que tange a filiação dos habilitandos, apresentam, como na segunda metade do setecentos e início do século XIX, um alto índice de filhos naturais[16], embora a titulação e proeminência social do pai seja mais elevada no primeiro período. O segundo período concentra um número maior de casos, de acordo com a hipótese que levantei acima, relacionados a uma mudança de contexto caracterizado por uma maior diversificação social, e entre eles, embora a ilegitimidade dos habilitandos continue alta- 17 dos 23 casos- há um quadro de 6 habilitandos oriundos de famílias legalmente constituídas formadas respectivamente por: um casal de pardos livres, um casal de pardos sem menção da condição, dois casais de pardos libertos, um casal formado por um português e uma parda liberta e um casal de escravos pretos. Ou seja, percebe-se na origem familiar dos sacerdotes a presença de famílias constituídas de libertos ou de escravos, o que estava ausente na origem dos sacerdotes de cor identificados para o primeiro período. Neste segundo período é também possível visualizar que os pais com títulos honoríficos aparecem menos enquanto é maior a menção aos ofícios mecânicos dos mesmos.

 

Primeiramente, o alto índice de ilegitimidade entre os habilitandos pode ser relacionado à grande proporção de mães forras. A historiografia sobre o assunto reconhece que a incidência de filhos naturais neste grupo de mulheres foi maior. Todavia, como afirma Silva Brügger, o universo da ilegitimidade estava longe de ser concebido como associado ao desregramento e ao não reconhecimento de valores. Argumentando em relação à constituição de famílias, a autora defende que, mesmo quando se tratava de unidades familiares constituídas fora da legalidade católica, tal postura não significava o desprezo pelos laços familiares e pela estabilidade a eles associada[17]. O reconhecimento destes valores católicos, associados à constituição de famílias, a meu ver, pode ser pensado também para se entender, em parte, a valorização do estado sacerdotal enquanto um elemento de prestígio e ascensão social.

 

Neste sentido, a maior presença de pais titulados, entre a segunda metade do século XVII e primeira do século XVIII, refletiria um quadro de uniões desiguais, onde é de alguma forma possível perceber a reprodução de um padrão da nobreza europeia relido na América portuguesa. Em casos como esses, foi incidente a procura da Igreja e dos ofícios reais como forma de favorecer a mobilidade social dos chamados filhos bastardos e livrá-los de condições mais subalternas[18]. Para o período seguinte, constata-se que, embora os valores aristocráticos associados ao papel do catolicismo como elemento de distinção tenham persistido, outros grupos começaram a acessar o “hábito de São Pedro” expressando a diversificação pela qual passava aquela sociedade, notadamente com a projeção dos setores mercantis e também com a mobilidade de famílias de manumissos que construíram estratégias de melhor posicionarem-se na escala social. E nestes casos, como demonstra Roberto Guedes, o trabalho através do exercício dos chamados ofícios mecânicos teve um papel decisivo[19]. Diante deste contexto é que passo a analisar a trajetória dos padres João de Barcelos Machado e José Maurício Nunes Garcia, a primeira trajetória construída entre a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII e a segunda trajetória entre a segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do século XIX.

 

 

A trajetória do Padre João de Barcelos Machado

 

Iniciava-se o ano de 1669, quando o Licenciado João de Barcelos Machado autuou uma petição junto ao escrivão da Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, solicitando o reconhecimento de um breve apostólico que obtivera em 14 de setembro de 1668 de Sua Santidade o papa. O documento em questão o dispensava do impedimento da ilegitimidade podendo, portanto, dar início ao seu intento que era a abertura de um processo de habilitação sacerdotal. João era filho natural do Padre Inácio de Barcelos Machado e da mulata Felícia Tourinha, nascido na Cidade do Rio de Janeiro e batizado na Freguesia da Candelária no ano de 1644. Pelo lado paterno era neto de Luiz de Barcelos Machado e Catarina Machada e pelo materno de Ventura de Paiva, alfaiate, e Isabel da Rocha, mulher preta. Segundo depoimentos que constam do processo de habilitação, à época do nascimento de João sua mãe era escrava e pertencia à Dona Maria da Rocha[20].

 

Constata-se que, pelo lado paterno, João descendia de uma família de conquistadores e principais da terra. Das sete testemunhas de seu processo de genere, destacando-se os padres Francisco Gomes da Rocha e Brás Graces, além do Capitão Francisco Lemos, todos insistiram em dizer que seus avós paternos eram “cristãos velhos, pessoas nobres e do governo desta cidade”. Entre estes depoentes também estava o tio e padrinho de batismo do habilitando, o Capitão Manoel de Barcelos Machado, que afirmara ter sido o “seu reitor (sic)”[21]. Além do Capitão Manoel, senhor de engenho estabelecido no Rio de Janeiro[22], outro tio importante de João de Barcelos Machado era o Capitão José de Barcelos Machado, talvez um dos principais representantes da família entre os bandos da nobreza da terra detentora de postos de mando no Rio de Janeiro seiscentista. José ocupara por duas vezes a provedoria da Fazenda Real em 1672 e em 1675, além de participar do governo militar da capitania, ocupando o comando da Fortaleza de São Sebastião em 1695. Entre 1675 e 1676, o Capitão José de Barcelos Machado exerceu o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Foi o instituidor do Morgado de Capivari com terras na região dos Campos dos Goitacazes e em outras áreas da capitania, além de tornar-se Padroeiro do Convento de Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio[23].

 

O Capitão Manoel de Barcelos Machado afirmou em seu depoimento, no genere do sobrinho e afilhado, que seu irmão, o Padre Inácio de Barcelos Machado, havia nomeado a João como filho e lhe legara bens com os quais pôde estudar e tornar-se licenciado. Esta declaração talvez se explique pelo fato de ter dito que foi o “reitor” de João, quem sabe no sentido de ter atuado como uma espécie de tutor do mesmo. No entanto, no processo de patrimônio que compõe a habilitação de João de Barcelos há o depoimento de Dona Maria da Rocha, viúva de Manoel Freire, que afirmou ter criado João por este não ter tido pai nem mãe e ser moço pobre, tendo custeado seus estudos na Cidade do Rio de Janeiro até tomar o grau de mestre e, agora, querendo ele ordenar-se e por grande amor que tinha ao mesmo doava-lhe para a composição de seu patrimônio duas casas na Rua por detrás da Candelária[24].

 

Ao que tudo indica, Dona Maria da Rocha parece ser a antiga proprietária da mãe de João de Barcelos Machado. O que poderia ter se dado diante destes dois depoimentos aparentemente contraditórios? Fora João criado por Dona Maria sem o contato com a família paterna? Seria ela a única responsável por sua criação e educação? Teria João sido exposto em casa de Dona Maria da Rocha? Começo por tentar responder a última pergunta. A exposição era uma situação bem mais comum do que se imaginava no período colonial e, ao contrário do que se pensa, não representava necessariamente demérito ou abandono. Pode ser provável que Felícia Tourinho quisesse salvaguardar o futuro de seu filho expondo-o em casa de sua antiga senhora. Por outro lado, como João era fruto de um intercurso sacrílego, já que filho de um padre, também é provável que a exposição tenha sido definida em comum acordo entre a mãe e o pai com o aval da família deste, de forma a desviar a atenção do escândalo. Como demonstra Silvia Brügger, a exposição poderia ser a solução para ocultar uniões não sancionadas e moralmente condenadas até que a legitimação pudesse ser feita em vida ou por meio das últimas vontades dos pais[25].

 

Deste modo, há que se situar melhor o depoimento de Dona Maria da Rocha que, talvez pelo amor zeloso que desenvolveu em relação a João, quisesse atribuir a si mesma toda a empreitada que agora culminava com o grau de licenciado e a ordenação de seu pupilo. Pois do contrário, como entender a atuação do Capitão Manoel de Barcelos Machado como testemunha no processo, além de ter sido o padrinho de batismo de João. Além do mais, João adotou o sobrenome da família do pai, o que revela uma estratégia de associar-se ao prestígio carregado pela mesma. Voltando à questão da exposição, esta não significava, principalmente em casos de expostos ligados a famílias de elite, um completo isolamento da criança para com seus pais e parentes[26]. Pode ser que o Padre Inácio só tenha reconhecido o filho posteriormente em função de ter sido fruto de intercurso sacrílego, porém isso não teria significado isolamento, já que um dos seus irmãos o batizara. O que me parece mais plausível é que João tenha contado tanto com o apoio de Dona Maria, que por não ter filhos a ele se afeiçoara, quanto com a assistência dos Barcelos Machado.

 

O patrocínio de uma senhora reconhecida pelo título de Dona e de uma importante família da nobreza da terra explica, a meu ver, o fato de João de Barcelos já ter chegado ao momento da ordenação ostentando o título de licenciado. Por outro lado, é bastante revelador que, embora descendente de uma ex-escrava mulata e de uma avó materna preta, João só tenha apresentado a dispensa para o impedimento de ilegitimidade. Segundo as Sinodais de Lisboa, que à época de seu processo regulavam a questão, para acessar as ordens maiores ele teria a necessidade da dispensa também do impedimento da cor, a menos que ele socialmente não a tivesse.

 

Uma hipótese a ser pensada poderia relacionar-se ao fato que, em 1669, o Rio de Janeiro ainda era uma prelazia, sendo elevado à categoria de bispado somente em 1676. Isto poderia explicar um menor zelo do prelado local, não exigindo que João apresentasse as dispensas completas. Todavia, das sete testemunhas do processo de genere de João todas reconheceram que sua mãe era mulata, porém, nenhuma atribuiu cor ao habilitando. Parece-me, neste sentido, que se está diante de um caso onde a posição social do habilitando fez com que sua cor desaparecesse ou nunca tivesse existido. Márcio Soares defende a hipótese de que o silêncio em relação à cor significava uma progressiva diluição da desonra relacionada ao cativeiro, até que esta desaparecesse totalmente da vida do indivíduo, sobretudo, em gerações futuras[27]. No caso em questão o sumiço foi imediato, pois me arrisco a dizer que, diante das circunstâncias, um licenciado descendente dos Barcelos Machado, mesmo que sua mãe fosse mulata e sua avó materna preta, não tinha cor ou era socialmente branco.

 

A Igreja, portanto, assim como a coroa possuía a prerrogativa de conferir ou reconhecer novo status, pois o reafirmar desta posição no processo de habilitação funcionava como aquilo que Bourdieu denominou de um rito de instituição, tendendo a consagrar e legitimar um limite arbitrário fazendo com que passasse a ser plenamente despercebido e consagrador da diferença[28]. No caso em questão uma diferença que se estabelecia, fundamentalmente, em relação aos demais indivíduos que tivessem uma origem semelhante, mas não com os mesmos recursos de poder, reiterando, por conseguinte, os padrões hierárquicos em uma sociedade escravista de Antigo Regime. Cumpria também à Igreja, deste modo, o papel acima destacado de inserir em posições socialmente mais valorizadas os filhos de uniões desiguais dando vazão às preocupações de membros das elites com o futuro de suas proles bastardas e com a honra do próprio clã. Penso que a trajetória pós-ordenação do então habilitando possa melhor esclarecer o que acabo de afirmar.

 

Concluso seu processo de ordenação em 1669, voltei a me deparar, na década de 1670, com o agora Padre João de Barcelos a assinar processos de habilitação na condição de escrivão da Câmara Eclesiástica do bispado do Rio de Janeiro[29]. A partir de 1688, Padre João também aparece como coadjutor da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro, batizando e lavrando os registros[30]. A atuação como escrivão da Câmara Eclesiástica e coadjutor da Sé estendeu-se até 1700, já que em 1701 o nome do mesmo padre passou a figurar como o 4º. vigário da Freguesia de Irajá no Rio de Janeiro onde atuou como pároco até 1731[31], ano de sua morte. Consultando o livro de óbitos de pessoas livres desta freguesia para o ano de 1731, encontrei o testamento do referido vigário no qual era identificado como Reverendo Licenciado Vigário João de Barcelos Machado, natural desta cidade e batizado na Freguesia da Candelária[32].

 

A indicação aos cargos de escrivão do Juízo ou Câmara Eclesiástica e coadjutor da Sé deve ter sido facilitada pela formação intelectual de Padre João e pelo patrocínio político advindo da família Barcelos Machado. Os cargos da Câmara Eclesiástica eram de livre indicação dos bispos, sendo preenchidos com pessoas da confiança do diocesano que atuavam como seus representantes auxiliando-o na incumbência de vigiar a população e tomar providências quando de casos de transgressão em alguma comarca da diocese[33]. Como alerta José Pedro Paiva, os bispos acabavam reproduzindo em suas dioceses os mecanismos de relações clientelares que alimentavam o sistema político do império português, sendo a distribuição de cargos que estavam sob sua alçada um dos meios mais eficazes para tal[34]. O mesmo pode ser afirmado em relação ao posto de coadjutor. Deste modo, o prelado não deixaria de ouvir e contentar os potentados locais quando da indicação de pessoas de sua confiança, principalmente, em se tratando da composição do Juízo Eclesiástico e da indicação para a ocupação de cargos na principal paróquia da cidade.

 

Em 1701, o Padre João de Barcelos Machado encontrava-se já como pároco colado da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá. Cabia ao bispo ou à Mesa da Consciência e Ordens a indicação dos párocos que deveriam passar por exames para serem providos ao cargo; aprovados, os candidatos eram nomeados pela Mesa. Como ressalta Pereira das Neves, privilegiavam-se os postulantes que já tivessem exercido funções pastorais, ou como pároco encomendado ou como coadjutor, além daqueles que já tivessem prestado qualquer serviço à Igreja, relegando-se a nota do exame a um segundo plano. Somavam-se ao contexto todo um quadro de pressões locais em favor de candidatos, de interferências da própria coroa, além da política clientelar exercida pelo bispo[35]. Mais uma vez Padre João enquadrava-se neste jogo de forças, pois fora servidor dileto do diocesano, coadjutor da Sé e estava confortavelmente inserido numa poderosa rede de proteção.

 

A função paroquial, no contexto de sociedades de Antigo Regime, era dotada de prestígio e poderia, como afirma María Elena Barral, abrir portas para negócios econômicos e para a ascensão social. Havia, portanto um empenho das famílias, no sentido de preparar seus filhos para a carreira eclesiástica, na qual ascender à função de cura de almas era uma importante etapa[36]. O pároco também angariava grande influência moral sobre seus sufragâneos, estimulando a prática sacramental e através desta estabelecendo uma vigilância cotidiana sobre os fiéis seguida da difusão de valores, o que era um ideal perseguido pela Reforma Tridentina[37].

 

A paróquia na qual Padre João de Barcelos fora provido havia sido criada em 1647 e situava-se numa área de expansão econômica e populacional do chamado Recôncavo da Guanabara. No mesmo ano da criação da Freguesia de Irajá outras duas foram erigidas, eram elas as de São João de Meriti e São Gonçalo, todas igualmente no recôncavo. No alvará régio, que instituiu as três freguesias, foi arrolado o número de senhores de engenho existentes em cada uma, estando 25 deles em Irajá, 11 em São João e 17 em São Gonçalo. O crescimento de toda essa área relacionava-se com expansão da cultura açucareira que marcou a virada atlântica do império português em meados do século XVII, além da ampliação da produção de alimentos concomitante a esta expansão. Irajá, entre estas freguesias do recôncavo, era uma das mais povoadas[38]. Em um levantamento realizado por uma visita diocesana de 1687[39], comparando-se os dados das 2 freguesias urbanas (Sé e Candelária) com 5 freguesias do recôncavo, Irajá era a que possuía o maior número de habitantes entre estas últimas.

 

Evidencia-se que Padre João de Barcelos não fora enviado para uma freguesia de menor importância, o que de alguma forma demonstrava a eficácia das redes de sociabilidade nas quais estava inserido e um sucesso na estratégia de construção de sua carreira engendrada a partir do grupo. Por outro lado, há evidências de que alguns ramos da família Barcelos Machado tinham interesses radicados na Freguesia do Irajá. Em 1697, uma prima sua- Dona Bárbara de Barcelos Machado- faleceu, declarando em testamento que seu corpo fosse enterrado na Freguesia de Irajá. Os dois filhos de Dona Bárbara, Sebastião de Barcelos Machado e Catarina, foram batizados na mesma freguesia, respectivamente em 1693 e 1697[40]. O irmão de Dona Bárbara, Antônio Machado Maciel, em 1701, batizou na dita freguesia seu filho, homônimo de nosso padre, João de Barcelos Machado. Embora o registro original esteja danificado, sendo impossível sua leitura, identifica-se o nome do batizando João e ao fim da página do livro encontra-se a assinatura do Padre João de Barcelos, o que me permite afirmar com alguma segurança que este, como pároco, foi o celebrante do batismo de seu primo em segundo grau[41].

 

Outro membro da família que teve ofício sacramental celebrado por Padre João foi o Capitão Inácio de Madureira Coutinho, filho do Licenciado Luís de Barcelos Machado e neto do Capitão José de Barcelos Machado. O Capitão Inácio casou-se, em 1705, com Teresa Maria Tourinha filha de Dona Maria Tourinha Maciel e do Licenciado João Velho Barreto. O casamento foi celebrado no oratório da propriedade de Dona Maria Tourinha, a época viúva, provavelmente o engenho da Pavuna, o qual pertencera a seu marido, e que se situava em terras da Freguesia de Irajá. O registro do casamento também se encontra danificado, mas é possível reconhecer a assinatura do Padre João de Barcelos nos demais assentos da mesma página do livro em questão[42].

 

Com efeito, a provisão de Padre João na paróquia de Irajá poderia revelar o desdobramento das estratégias da família na extensão e afirmação de seu poder naquela região. Afinal, como argumenta María Elena Barral, em relação ao agro de Buenos Aires, a gestão paroquial também foi ambicionada por parentelas enquanto desdobramentos de suas ambições de dominação territorial e política. Da mesma forma, a nomeação para uma paróquia rural poderia ser uma das etapas para se alçar saltos mais altos na trajetória profissional do sacerdote[43]. Evidentemente, as condições das duas regiões são completamente diferentes e não me parece ter sido este o caso aqui analisado, já que Padre João acabou morrendo à frente da paróquia em 1731, talvez com idade em torno de 87 anos. Não tenho elementos para argumentar se esta foi a ascensão possível ou se o mesmo almejou outros postos ao longo da carreira. Todavia, naquela conjuntura a colação na paróquia de Irajá não me parece ser algo desprezível.

 

De qualquer forma, mesmo não saindo de Irajá, Padre João de Barcelos teve uma atuação que, ao que alguns dados indicam, foi bastante ativa e reconhecida em sua paróquia, contribuindo para a expansão dos valores católicos e consolidação das hierarquias locais. Um aspecto a se considerar diz respeito à execução de uma visita diocesana na própria paróquia de Irajá. Durante o múnus pastoral de Dom Frei João de São Jerônimo (1702-1721) este, seguindo o que determinava o Concílio de Trento, procurou realizar vistas pastorais pela diocese e, em função da extensão da mesma, acabou por nomear visitadores de sua confiança para as realizarem ou concluírem o trabalho por ele iniciado. Esta situação parece ter ocorrido em Irajá quando foram nomeados os padres João de Barcelos Machado, Frutuoso Pinheiro de Lemos e Tomé Peres da Fonseca para dar continuidade à visita na dita paróquia. A ação dos padres produziu o “Livro de Batismo dos Pretos pertencentes à Paróquia de Irajá” que cobre o período de setembro de 1704 a agosto de 1707; ao que parece este códice sob a guarda da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro é um fragmento de um livro maior. No livro de batismo dos pretos estão assentados 221 registros, entre os quais a maioria é assinada pelo Padre João de Barcelos Machado (197 registros), seguido do Padre Frutuoso Pinheiro de Lemos (23 registros) e do Padre Tomé Peres da Fonseca (1registro). Como titular da paróquia, Padre João tinha a prerrogativa na distribuição dos sacramentos, sendo substituído somente em situações de impossibilidade quando poderia autorizar a um coadjutor exercer suas funções. O livro em questão foi rubricado pelo bispo à folha 9, afirmando que o mesmo fora visto, em 30 de setembro de 1704, e indicando que se continuasse a proceder daquela forma[44].

 

O zeloso vigário de Irajá, além de difusor das práticas sacramentais, atuou também no combate às práticas heréticas. Em 1717, foi chamado pelo Santo Ofício para depor no processo que acusava o também padre Francisco de Paredes de práticas judaizantes. Francisco ordenara-se por volta de 1697, após ter conseguido junto ao Papa um breve ex defectus sanguinis que o dispensava no “defeito do sangue, da ilegitimidade e defeito de cor”. Havia sido batizado na Freguesia de Irajá, em 1672, como filho de Leonor, mulher solteira e escrava de Luiz de Paredes. Este último tido como senhor de engenho e com fama de cristão novo. Luiz de Paredes, posteriormente, alforriou Leonor e reconheceu os três filhos que tivera com ela, entre eles Francisco, a quem criou mandando-o estudar em Coimbra com o propósito de tornar-se padre[45].

 

Depois de ordenado, Padre Francisco, pelo que indicam as informações que tenho, foi cuidar do sítio que herdou do pai. Em 1705, entrou com um novo processo de patrimônio junto à Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, solicitando o reconhecimento de um sítio com partidos de cana que recebera em herança, localizado em Sapopemba, território da Freguesia de Irajá[46]. Provavelmente, residiam aí dois dos escravos que possuía e que no mesmo ano de 1705 foram batizados pelo pároco João de Barcelos Machado[47].

 

Deste modo, os padres Francisco de Paredes e João de Barcelos Machado eram velhos conhecidos, já que o primeiro era paroquiano do segundo e nascera em Irajá. Foi com base neste antigo conhecimento que o Padre João de Barcelos, quando chamado pelo Santo Ofício, testemunhou afirmando que conhecia o Padre Francisco de Paredes desde o “mínimo nas escolas”, também conhecera sua mãe, mulher preta, e a seu pai Luiz de Paredes e que pai e filho eram tidos e havidos por cristãos-novos. Francisco seria, ao fim do processo, condenado pelo Santo Ofício com sentença de auto de fé em 1720, confisco de bens, abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuo sem remissão e degredo para as galés por cinco anos[48]. Destinos bem diferentes para sacerdotes que tiveram mães escravas.

 

Padre João de Barcelos Machado ainda marcou a história de sua paróquia em função do trabalho de reconstrução da matriz que iniciou durante seu múnus pastoral[49]. Em 1731, no extrato de seu testamento, que consta do livro de óbitos da freguesia, menciona-se um conjunto de legados que estavam sob sua guarda, os quais somavam quinhentos e trinta e três mil réis e destinavam-se à construção do retábulo do altar mor da matriz da freguesia. Solicitava aos testamenteiros que entregassem tal soma a quem o bispo ordenasse[50]. Um desses legados, como constatou Monsenhor Pizarro em sua visita de 1794, aquele deixado por Prudência de Castilho- mencionada no testamento de Padre João- transformou-se em obrigações de missas perpétuas a serem ditas no altar de Santa Escolástica, a cada sexta-feira do mês. Segundo Pizarro, o dinheiro fora recolhido ao Cofre Eclesiástico depois do falecimento do Vigário João de Barcelos Machado e o bispo- Dom Frei Antonio de Guadalupe- mandou entregá-lo ao pároco sucessor[51].

 

Ao término de um período de 30 anos à frente da paróquia de Irajá, Padre João de Barcelos Machado faleceu aos 13 de Janeiro de 1731, declarando não ter herdeiros forçados e, portanto, seus bens deveriam ser convertidos em esmolas e sufrágios por sua alma[52]. Uma trajetória pouco comum para os homens de sua origem, mas de uma normalidade excepcional, parafraseando Edoardo Grendi[53], já que o processo de mobilidade social em questão se fazia dentro dos moldes da cultura política do Antigo Regime. As hierarquias, de alguma forma, se viam preservadas[54], embora o processo de maior complexidade que a escravidão imporia àquela sociedade colocasse em questão o constante repensar dos padrões de classificação social.

 

 

A trajetória de Padre José Maurício Nunes Garcia

 

Mais de um século depois, aos dez dias do mês de junho de 1791, o então habilitando José Maurício Nunes Garcia dava entrada, na Câmara Eclesiástica do Bispado do Rio de Janeiro, em uma petição na qual pedia para “ser dispensado da cor” de modo a poder prosseguir no seu processo de ordenação sacerdotal. Alegava para tal que havia recebido dos pais boa educação, que desde a infância apresentava vocação para o estado sacerdotal e para realizar tal intento aplicara-se aos estudos de Gramática, de Retórica, de Filosofia Moral e Racional e à Arte da Música. Afirmava ter vivido com regularidade nos seus costumes, sendo temente a Deus e obediente às leis. Finalizava a petição dizendo-se merecedor da graça por não estar incurso em qualquer irregularidade a não ser a “do defeito da cor”.

 

José Maurício era natural da Freguesia da Sé da Cidade do Rio de Janeiro, tendo sido batizado na catedral aos vinte dias do mês de outubro de 1767. Era filho legítimo de Apolinário Nunes Garcia, pardo liberto que vivia do seu ofício de alfaiate, e de Vitória Maria da Cruz, parda liberta. Pelo lado paterno tinha como avó Ana Correa do Desterro, designada como crioula de Guiné e avô incógnito. Pelo lado materno, era neto de Joana Gonçalves, designada como crioula e avô também incógnito. O pai de José Maurício era natural do Rio de Janeiro da Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda da Ilha do Governador e a mãe da Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré da Cachoeira do Ouro Preto, Bispado de Mariana[55]. A necessidade da dispensa do “defeito de cor” justificava-se, portanto, pela ascendência do habilitando, que foi designado como mulato por algumas testemunhas que depuseram em seu processo de habilitação às ordens sacerdotais. Nota-se aqui uma diferença em relação ao primeiro caso analisado, José Maurício não só teve a necessidade de solicitar a dispensa do “defeito da cor”, como teve a cor identificada pelos depoentes. A meu ver, pesa neste fato a diferença significativa da família paterna de ambos, já que João de Barcelos era filho de um padre, sobrinho e neto de senhores de engenho, enquanto José Maurício era filho de um alfaiate e de avôs paterno e materno desconhecidos.

 

Aos dezesseis de junho do dito ano, o provisor do Bispado, o Muito Reverendo Doutor Francisco Gomes Villasboas, despachava favoravelmente ao pedido. Alegou que não via contra o suplicante nenhuma outra irregularidade senão a do “defeito da cor”, que o mesmo havia provado morigerança, vocação e aplicação aos estudos. Afirmava que, embora o Direito Canônico repelisse os neófitos recém convertidos à fé católica, este não era o caso de José Maurício; além do fato de a mesma legislação abrir espaço para admitir ao sacerdócio aqueles que, mesmo neófitos, dessem provas de sua perseverança, de boa conduta e observância das leis e preceitos da Santa Madre Igreja. Argumentava que embora as Constituições da Bahia levantassem o impedimento do “defeito da cor”, elas eram somente diretivas e não preceptivas ao Direito Canônico e que, portanto, a dispensa podia ser concedida[56].

 

A inserção em uma rede de proteção parece também ter pavimentado o caminho do padre José Maurício. Esta rede tivera início com o antigo senhor de seu pai. Em certidão de liberdade que consta do processo de habilitação matrimonial de Apolinário Nunes Garcia e Vitória Maria da Cruz, chega-se à informação que o ex-senhor de Apolinário era o Reverendo Padre Pedro Nunes Garcia, que passou carta de alforria em seu favor no ano de 1740[57]. Nota-se que, após a alforria, o pai de José Maurício incorporou o sobrenome do antigo senhor e também o legou a seu filho.

 

Tem-se aqui um caso semelhante ao analisado por Roberto Guedes em relação à família de ex-escravos do também padre André Rocha, em Porto Feliz, na primeira metade do século XIX. Segundo Guedes, o casal de ex-escravos do padre André, Francisco da Rocha e Maria Francisca da Rocha, além dos seus sete filhos, incorporaram o sobrenome do padre o que lhes carreava um pouco de seu prestígio, de sua identidade e de suas relações sociais, legados imateriais como o autor reconhece recorrendo a Giovanni Levi[58]. Um dos filhos do casal, Jesuíno José da Rocha, além da liberdade e do sobrenome do antigo senhor, também veio a herdar o piano daquele, já que em vida o padre havia sido responsável pela educação musical de Jesuíno[59].

 

Não foi possível saber se José Maurício veio a ter qualquer tipo de contato com o ex-senhor de seu pai. Há um intervalo de vinte e dois anos entre a alforria de Apolinário e o seu casamento (1762). O intervalo para o batismo de José Maurício (1767) é de 25 anos e para a sua ordenação (1792) decorreram cinqüenta e dois anos da alforria de Apolinário. No entanto, não parece ser uma simples coincidência o fato de o filho de Apolinário seguir a carreira de seu antigo senhor. O pai de José Maurício deveria ter a consciência do que representava a carreira do sacerdócio na sociedade colonial. Ao mesmo tempo, seguindo as observações de Roberto Guedes, preservando o sobrenome do seu antigo senhor, Apolinário deve ter se mantido próximo a ele e às suas relações pessoais, o que, provavelmente, deve ter sido um dos mecanismos a pavimentar o caminho de José Maurício para o sacerdócio, já que este também preservou o sobrenome do ex-senhor de seu pai. Considerando que se está diante de uma sociedade com fortes traços da cultura de Antigo Regime, a preservação de parte destas relações pessoais acabava tendo, por vezes, um peso tão grande quanto a riqueza material[60].

 

Com efeito, para além desta rede de relações inicias, padre José Maurício e sua família vieram a agregar e consolidar outras. Identifica-se em seu processo de habilitação um conjunto de testemunhas que, provavelmente, tiveram um papel importante na construção de uma legitimidade social para que os impedimentos que recaíam sobre o ordinando fossem superados. No processo de gênere seis testemunhas compareceram diante do Juiz Eclesiástico e no processo de dispensa do impedimento dar cor mais quatro depoimentos foram tomados. Em relação ao primeiro processo, as testemunhas deveriam atestar que conheciam o habilitando, seus pais e que aquele tinha bons costumes. No segundo processo, os depoimentos giraram em torno da boa conduta e aplicação do ordinando aos estudos.

 

Entre os dois processos uma pessoa funcionou como depoente em ambos, o oficial da alfândega Marcos Antunes Marcelo. Além deste, testemunharam a favor do habilitando três sacerdotes, três pessoas que viviam da arte da música, um ourives, um alfaiate e um solicitador e porteiro da fazenda real. O fato de um terço das testemunhas ser formado por sacerdotes pode apontar para dois caminhos plausíveis. O primeiro a herança de relações pessoais mantida por Apolinário em função de seu ex-senhor ser também um sacerdote. O segundo caminho também igualmente plausível pode estar relacionado às relações construídas pelo próprio José Maurício. Como músico, mesmo antes de tornar-se sacerdote, o habilitando deve ter prestado serviços à Igreja, já que esta instituição era uma das maiores promotoras e consumidoras da arte da música na sociedade colonial. Tal hipótese, a meu ver, se vê reforçada em razão do fato que dos três sacerdotes depoentes dois deles eram capelães de coros na cidade do Rio de Janeiro; eram eles o padre Manoel dos Santos Gomes, capelão do coro da catedral, e o padre Manoel Antunes Marcelo, capelão de um outro coro que não consegui identificar[61].

 

Os músicos, por outro lado, constituíam um outro importante conjunto de depoimentos, o que demonstra que José Maurício também já se encontrava inserido em uma sólida rede de solidariedades profissionais. Os ofícios mecânicos entre os libertos e seus descendentes, como demonstra Roberto Guedes, eram uma das alternativas mais importantes no processo de mobilidade social e construção de solidariedades, inclusive porque, apesar do estigma, tais ofícios tinham reconhecimento social[62]. Os músicos, por exemplo, gozavam de um significativo prestígio, já que desempenhavam uma atividade considerada necessária para o bom funcionamento das repúblicas, tinham inclusive o privilégio de não serem alvo do recrutamento forçado; suas funções, como já ressaltei, eram requisitadas não só pela Igreja, mas também pelas câmaras em suas diversas solenidades[63]. Deste modo, tal reconhecimento social deve ter desempenhado importante papel na construção da legitimidade do pedido de dispensa da cor impetrado pelo padre José Maurício.

 

Outro vínculo que julgo importante na rede de proteção que se formou em torno do padre José Maurício diz respeito às relações com a família Antunes Marcelo. Como mencionei acima, Marcos Antunes Marcelo atuou como depoente tanto no processo de gênere quanto no processo de dispensa da cor. Além disso, um dos sacerdotes depoentes, ao qual também já fiz menção, era filho de Marcos, o padre Manoel Antunes Marcelo. O conjunto de informações que tenho sobre a família origina-se em grande parte do processo de habilitação sacerdotal de Manoel Antunes, processo esse que foi aberto em 1783 conjuntamente com o de seu irmão Tomás Antunes Marcelo. Como já referido acima, no processo do padre José Maurício, o patriarca Marcos foi referenciado como oficial da alfândega e numa segunda menção como feitor da mesa da abertura da alfândega[64].

 

Segundo a Ordem Régia de 1642, que definia os cargos de oficiais da alfândega, o feitor da mesa de abertura aparecia em ordem hierárquica como o quarto cargo em importância de um total de 16 cargos definidos, ficando abaixo dos três cargos mais importantes, na seqüência: juiz e ouvidor da alfândega, escrivão da mesa grande e escrivão da abertura. Não há uma definição mais precisa de suas funções, todavia, segundo as informações presentes na própria ordem régia, é possível supor que o feitor estivesse em relação de subordinação direta com o escrivão da abertura. O escrivão não recebia ordenado fixo, porém, era responsável por conferir e despachar as cargas recebendo 160 réis por cada volume despachado. Deveria, em função dos emolumentos recebidos, colocar a seu serviço pessoas que abrissem os volumes por ordem do Rei e fizessem a conferência, era neste ponto que entravam os feitores da mesa da abertura[65]. O cargo, portanto, demandava a inserção em relações pessoais ascendentes que permitissem a escolha, além, obviamente, de delegar poder ao seu ocupante, já que a liberação dos volumes despachados e a conseqüente cobrança de impostos passava pela conferência dos feitores.

 

No entanto, não parava por aí a teia de relações dos Antunes Marcelo. No mencionado processo de habilitação sacerdotal de Tomás e Manoel, Marcos Antunes Marcelo é constantemente referido como morador e “vivendo de suas lavouras” na Freguesia de Nossa Senhora da Guia de Pacobaíba[66], Recôncavo do Rio de Janeiro. A referida freguesia encontrava-se na vizinhança de outras duas bastante antigas como Magé e Inhomirim, áreas que se acredita que, desde a segunda metade do século XVII, já estavam inseridas num circuito de produção de alimentos[67].

 

Ao que tudo indica a família era formada por proprietários locais, já que o habilitando Manoel Antunes Marcelo constituiu seu patrimônio com vistas à ordenação com uma fazenda, na mesma freguesia, doada por um tio também padre de nome José Ramos de Moraes Marcelo[68]. Os Antunes Marcelo deveriam estar entre as famílias de maior prestígio da freguesia, já que na visita pastoral realizada por Monsenhor Pizarro à região, em 1794, este dá notícia da Capela de São Lourenço, fundada por Manoel Antunes Ferreira, pai de Marcos Antunes Marcelo e avô do reverendo Manoel. Pizarro menciona ter visto a provisão da capela passada a Marcos Antunes Marcelo e sua irmã Maria Josefa, autorizando-os a celebrarem missas no referido templo[69].

 

Segundo Sérgio Chaon, a fundação e a manutenção de capelas e oratórios privados, com provisão para celebração de missas, eram fatores que distinguiam famílias proprietárias com considerável cabedal. Conseguir a provisão destes oratórios e capelas demandava a mobilização de recursos financeiros e transpassar meandros burocráticos que exigiam igualmente mobilizar influências pessoais junto à cúpula da Igreja.  No caso em particular das capelas, era necessário que o fundador provesse as mesmas com um patrimônio para sua fábrica, reparação e ornamentos, além de reservar porção de terras ao redor do edifício. Tais edifícios, principalmente nas freguesias mais distantes, funcionavam com promotores de serviços religiosos para a população do entorno. Deste modo, receber a provisão do bispo para o funcionamento destes edifícios religiosos significava um privilégio que conferia distinção social aos seus promotores [70]. Assim, a família Antunes Marcelo gozava de prestígio social e religioso há pelo menos duas gerações, inclusive perante a Igreja.

 

Padre José Maurício, portanto, estava inserido em uma rede social de proteção suficientemente ampla e que, de alguma forma, dever ter tido um peso significativo para favorecê-lo na superação do impedimento da cor. Suas relações o imergiam numa teia formada por eclesiásticos, músicos, oficiais da alfândega e proprietários de terras, cujo prestígio deve ter sido apreciado pelo ordinário na consideração de tais depoimentos como indicadores da atenuação do defeito da cor.

 

A dispensa de impedimento conseguida pelo padre José Maurício, como argumentam Fernanda Olival e Nuno Monteiro[71], era algo que compunha certa rotina mesmo no Reino. Todavia, tal rotina inseria-se numa estratégia conformada pelas alianças estabelecidas que posicionassem o indivíduo numa rede de proteção e solidariedades[72]. Deste modo, o ato de dispensar, reiterando a já assinalada proposta de Bourdieu, sancionava um estado de coisas, notabilizando-se por ser um fator de consagração da diferença. Dentro desta perspectiva, esforços eram feitos no sentido de naturalizar o privilégio, pois a institucionalização/naturalização da diferença garantia a sua própria conservação[73]. Portanto, a possibilidade da “dispensa magnânima” por um superior hierárquico era não só um fator de prestígio, mas algo que garantia a própria continuidade da hierarquia[74].

 

Com efeito, a visão corporativa da sociedade e a sua consequente valoração das hierarquias reforçavam a perspectiva de que o acesso ao segmento clerical era uma importante via de ascensão social. O atrativo às ordens religiosas tanto para as famílias da “boa sociedade” quanto para os segmentos da dita “plebe” relacionava-se ao fato de o sacerdócio conferir foros de nobreza dando acesso a privilégios[75].

 

A construção de uma estratégia que conduzia o indivíduo à ordenação sacerdotal não era um ato isolado. Numa sociedade com características estamentais, a mobilidade que o acesso ao sacerdócio conferia não se fazia com base na individualidade, até pelo fato de a noção de individualidade estar submetida à força das corporações. Para Sheila de Castro Faria, o movimento, na sociedade colonial, não só não era um fator individual, mas sim uma decisão coletiva concebida e regulada no âmbito da família[76]. A produção da carreira sacerdotal era realizada pelo grupo que através dela visava auferir ganhos tanto materiais quanto simbólicos[77].

 

No caso de José Maurício, filho de pardos libertos e, pelo menos do lado paterno, descendente direto de uma avó africana, parece-me possível afirmar que seu processo de ascensão era também o de sua mãe e de sua avó materna que, pelas informações contidas no processo de habilitação, ainda estavam vivas à época de sua ordenação[78]. Analisando a mobilidade social de manumissos e seus descendentes, Roberto Guedes irá caracterizá-la como um movimento gradativo e geracional, onde inicialmente se transpõe a categoria jurídica da escravidão à liberdade dando-se início a um afastamento de um passado escravo. Deste modo, muitas vezes o processo se concretiza nas gerações seguintes. É importante ainda frisar que este processo de mobilidade não deve ser entendido somente como um deslocamento vertical, mas também de forma horizontal processando-se, preferencialmente, como uma ascensão no interior do grupo. Além disso, sua consecução não se dá somente como uma busca de riqueza material, mas também como aquisição de posição e prestígio[79]. Tal processo parece ajustar-se à trajetória do padre José Maurício.

 

Ordenado em 1792, José Maurício a princípio continua a desenvolver suas atividades como mestre de capela na igreja da Irmandade de São Pedro dos Clérigos. O padre filiara-se à esta irmandade em 1791 como consta do livro de assento de irmãos, pagando suas anuais até 1826, quatro anos antes de sua morte, em 1830. O mesmo foi sepultado na igreja da referida irmandade[80]. A filiação de postulantes ao sacerdócio à irmandade, fundada por volta de 1639 e reorganizada em 1732 no bispado de D. Antonio de Guadalupe, passou a ser estimulada pelos prelados do Rio de Janeiro que viram na instituição um dos mecanismos de reforma dos costumes clericais a partir das diretrizes traçadas pelo Concílio de Trento. O investimento dos diocesanos nestas confrarias de clérigos seculares foi uma tendência observada, inclusive, na América Espanhola. Partia-se do pressuposto que tais sodalícios abrigariam uma elite sacerdotal que serviria de modelo para os demais padres[81].

 

A presença de José Maurício nesta irmandade antes de ordenar-se reforça o argumento, acima desenvolvido, de sua inserção em eficientes redes de proteção, já que a associação contava com a proteção dos bispos e segundo Coaracy, no século XVII, possuía um caráter aristocrático, exigindo a comprovação da limpeza de sangue para o pertencimento aos seus quadros[82]. No compromisso da irmandade, de 1732, esta exigência não mais aparecia com relação aos sacerdotes que quisessem se filiar, porém com relação aos leigos que poderiam ser admitidos requeria-se que fossem “homens graves e de reconhecida nobreza”[83], o que por sua vez dava um caráter mais elitista aos filiados àquela instituição. Em Portugal, Fernanda Olival e Nuno Monteiro também constataram que a adesão de postulante ao sacerdócio a irmandades era uma forma de buscar proteção e solidariedades com vistas à superação de dificuldades no processo de habilitação[84].

 

O exercício do cargo de mestre de capela na Irmandade de São Pedro pode ser visto como um dos requisitos que credenciou José Maurício para as mesmas funções na Sé Catedral, já que em provisão de agosto de 1798 o então bispo do Rio de Janeiro- D. Justiniano Mascarenhas Castelo Branco- o nomeou mestre de capela[85]. O mestre de capela da Sé era o responsável por todo o cerimonial religioso do Senado da Câmara executado na referida igreja. Cabia-lhe organizar o programa das cerimônias, além de escolher e contratar os músicos. É bastante provável que o padre, diante das prerrogativas que tinha, selecionasse parte dos músicos para estas funções entre os seus alunos, já que mantinha ainda uma Aula Pública de Música como consta de uma carta por ele redigida e endereçada ao regente do trono D. Pedro I, em julho de 1822[86]. Deste modo, o monopólio das funções musicais na Sé permitiu a José Maurício reproduzir relações clientelares que lhe devem ter conferido aumento de prestígio pessoal e recursos de poder. Prestígio e poder que transferia, em parte, a estes mesmos alunos. Em autobiografia, o filho mais velho e homônimo do padre relatou que ele e os discípulos de seu pai portavam um atestado de músicos da Capela Real que fora conferido pelo próprio D. João VI[87].

 

Tal perfil de ação condiz com aquele ressaltado por Márcio Soares[88]quando reconhece na ação de alguns mestres de ofício libertos o cuidado no controle das hierarquias corporativas, pois tal ação expressava não só o reconhecimento dos homens bons da localidade como também sancionava para estes mestres “um poder decisivo sobre as pretensões dos aspirantes, aprendizes e demais artífices posicionados num patamar inferior das hierarquias dos ofícios”.

 

José Maurício, portanto, começara a angariar um patrimônio imaterial importante, além de desempenhar funções igualmente de destaque junto à municipalidade. Ainda como mestre de capela da irmandade dos clérigos, José Maurício compôs para o Senado da Câmara, em 1797, a música executada na procissão de Nossa Senhora e do Anjo Custódio, ambos protetores da monarquia portuguesa e, portanto, alvos de cerimônia oficial constante entre as obrigações da municipalidade. No exercício de suas funções na Catedral constantemente dirigia-se ao Senado, a exemplo do requerimento datado de setembro de 1808, quando solicitava o reembolso dos gastos feitos com os músicos que atuaram na Festa do Corpo de Deus daquele ano[89].

 

A chegada da Corte ao Rio, em 1808, aumentaria o prestígio do padre-mestre. Segundo alguns, encantado com o talento musical de José Maurício, D. João VI o confirmou no cargo de mestre de capela da antiga Sé, transformada agora em Capela Real, onde exerceu as funções de organista principal e compositor sem concorrência, pelo menos até 1811. Em 1809, D. João também conferiu ao padre o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo[90]. Embora a comenda das ordens militares, no início do oitocentos, já não guardasse mais o mesmo prestígio dos séculos anteriores, ela não deixava de demarcar um importante papel simbólico como signo de prestígio e distinção. A precedência nas cerimônias públicas juntamente com o privilégio de foro eram elementos que ainda caracterizavam a honraria, principalmente, em se tratando do Hábito da Ordem de Cristo[91].

 

Os biógrafos do padre José Maurício afirmam que em 1811, com a chegada ao Rio de Janeiro do músico português Marcos Portugal, sua carreira teria empalidecido. D. João nomeou Portugal para as mesmas funções de José Maurício, embora este não tivesse perdido seu cargo e a pensão dele decorrente. Todavia, as preferências da corte recaíam agora sobre o músico europeu que passou a conduzir as funções musicais mais importantes na Capela Real, cabendo ao padre mulato a condução dos eventos menos importantes, com exceção da regência da orquestra real na missa pela elevação do Brasil a Reino Unido, em 1816, mandada dizer pela Câmara da cidade e da missa em ação de graças pelo nascimento da princesa D. Maria da Glória no mesmo ano[92].

 

José Maurício viria a falecer em 18 de Abril de 1830, segundo alguns, em situação financeira difícil e esquecido pelo Império do Brasil. Antes, em 4 de Abril do mesmo ano, apresentou-se ao tabelião para legitimar um dos seis filhos que tivera[93]. Kátia Mattoso, em artigo sobre o clero secular baiano no oitocentos, já havia detectado a preocupação dos sacerdotes com suas respectivas proles, demonstrando que muitos destes rebentos ou seguiram a carreira sacerdotal dos pais ou se tornaram doutores[94]. Não tenho elementos que precisem porque a escolha do padre recaiu sobre somente um dos filhos, talvez para não pulverizar os recursos e tornar a estratégia de transmissão do legado mais eficaz.

 

De qualquer forma, o escolhido foi o Dr. José Maurício Nunes Garcia, formado pela Academia Médico Cirúrgica do Rio de Janeiro, em 1828. Segundo relato autobiográfico do Dr. José Maurício, ele aprendera as primeiras letras com o pai que também lhe ensinara italiano, geografia, lógica e retórica. Teria tido em casa um professor de origem portuguesa que o introduziu no estudo da caligrafia e da aritmética. Um padre chamado Antônio Manoel de Morais teria lhe ensinado gramática portuguesa e francês. Frequentou a aula pública de música do pai, tendo também aprendido a arte da música. Por volta de 1821, foi entregue ao seu padrinho de crisma, o padre André Vitorino, que à época era Vice-Reitor do Seminário Episcopal de São José, onde estudou gramática latina. Em 1823 matriculou-se na aula de francês deste mesmo seminário[95].

 

Em 1824, Dr. José Maurício relata que fora pego pelo alistamento militar forçado, tendo sido salvo do mesmo em função de seu pai ter conseguido ordem de soltura junto ao general responsável pelo recrutamento. No mesmo ano foi levado pelo pai à presença do Dr. Vicente Navarro de Andrade- futuro Barão de Inhomirim, médico de D. Pedro I e professor da Academia Médico-Cirúgica do Rio de Janeiro- que conseguiu que o mesmo ingressasse no curso de medicina sem passar por exames[96].

 

Pelo que foi descrito percebe-se que, antes de morrer, padre José Maurício conseguiu legar ao filho escolhido um importante patrimônio imaterial, além de acionar a seu favor um conjunto de relações pessoais que o inseriram numa significativa rede de proteção social. O livramento do alistamento militar pode ser destacado como um exemplo, pois escapar do mesmo exigia a inserção em poderosas redes clientelares e de produção de favores[97]. É fato que, se morreu pobre como relatam seus biógrafos e seu próprio filho, o padre ainda gozava perto de sua morte de algum prestígio que adquirira no seu processo de ascensão social e que procurou transferir com algum sucesso para o filho que escolhera legitimar. Tal possibilidade de mobilidade social, em meu entendimento, explica-se em parte pela opção feita pela carreira eclesiástica, que, como já mencionei acima, conferia aos seus ocupantes foro de nobreza e alguns privilégios.

 

Por outro lado, acredito que a qualificação do processo de mobilidade requer que o mesmo seja pensado para além de uma pura e simples ascensão vertical, embora esta não deixasse de ser importante. É preciso entender que numa sociedade hierarquizada, a mobilidade se dá dentro de determinados limites, reforçando e recriando novas e diferentes segmentações. Como afirma Hespanha, no Antigo Regime os processos de mobilidade social quando ocorreram se fizeram no sentido do não comprometimento da ordem social, ou seja, acreditava-se que a “natureza das coisas” não deveria ser ferida de forma a se garantir o bom funcionamento da sociedade[98]. Sob este aspecto, é forçoso refletir também sobre a mobilidade horizontal que se faz dentro do mesmo segmento igualmente hierarquizando-o. Parece-me que é justamente na interseção dos dois processos que se poderá compreender melhor o sentido da formação de um clero de cor na sociedade colonial. Com efeito, ao consagrar-se a ascensão de uns criava-se nos que não realizaram o mesmo movimento a mesma expectativa, garantindo-se que estes últimos não contestassem o estado de coisas vigentes.

 

A mobilidade, portanto, não estava acessível a todos e não foi a regra entre todos os homens de cor na sociedade colonial. Fruto de estratégias familiares, a possibilidade de ascensão para estes segmentos demonstrava o desenvolvimento de uma capacidade de autonomia e conhecimento dos meandros da negociação na sociedade escravista colonial. Por se tratar de uma sociedade profundamente hierarquizada e contendo traços de distinção do Antigo Regime, esta mobilidade era profundamente conservadora pois, ao selecionar os que poderiam ascender e aqueles que não poderiam, estabelecia um processo de diferenciação e conflitos dentro do próprio segmento de setores subalternizados pelo sistema escravista. A mobilidade possível, deste modo, fazia-se recriando outras hierarquias sociais.

 

 

Conclusão

 

Ao compararmos as duas trajetórias é importante destacar suas proximidades e diferenças no sentido de encaminhar uma melhor reflexão sobre o papel e a importância do estudo da formação de um clero de cor na América Portuguesa. Descendentes de mães escravas, os padres João de Barcelos e José Maurício percorreram caminhos um tanto singulares na construção de suas carreiras eclesiásticas quando comparamos os grupos nos quais estavam inseridos e os períodos em que suas estratégias de mobilidade foram engendradas. Cabe ressaltar que estou entendendo o conceito de estratégia da forma como o definiu Giovanni Levi[99], ou seja, um conjunto de possibilidades para o melhor enfrentamento das incertezas que marcavam o universo dos homens em sociedades de Antigo Regime.

 

Com efeito, tais possibilidades se apresentaram diversificada em meio a um conjunto de formulações que marcaram os caminhos de um descendente de escravos que tinha por trás de si uma parentela que remontava a uma família de principais da terra, caso de João de Barcelos, e outro que era oriundo de uma família constituída por manumissos e que em sua trajetória representava somente a primeira geração nascida fora do cativeiro, caso de José Maurício. Todavia, tais diferenças não deixaram de recorrer a processos semelhantes como a necessidade de inserção em redes de proteção que viabilizassem suas estratégias, o que, por sua vez, demonstrava certa perenidade dos traços do Antigo Regime que caracterizavam aquela sociedade. Ou seja, a individualidade submetida à ideia de corpo e, portanto, de uma estratégia que se constrói enquanto projeto de grupo.

 

Por outro lado, estas estratégias, embora afirmem determinadas continuidades,nos remetem a quadros de transformação na América Portuguesa. Se em meados do século XVII e na primeira metade do século XVIII, a ascensão de João de Barcelos relacionou-se, em grande parte, à sua origem que remontava a uma família da “nobreza da terra”, o processo de mobilidade de José Maurício descrevia o papel que os arranjos entre homens libertos começava a assumir para aquela sociedade. Num primeiro momento, a carreira eclesiástica assumia um papel estratégico na superação que os incômodos que bastardia assumia para as elites mescladas aos segmentos subalternos e no caso específico com escravos. Sem que este traço desaparecesse, a expansão do escravismo e o crescimento do processo de manumissão, que caracterizou a sociedade colonial portuguesa na América, passaram a exigir novos mecanismos de distensão que se relacionaram à possibilidade de ascensão de uma camada de libertos, diferenciando-os entre os homens de cor e ao mesmo tempo reafirmando as hierarquias notoriamente excludentes de uma sociedade escravista de Antigo Regime.

 

A formação de um clero nativo, por outro lado, cumpria algumas expectativas da Igreja na medida em que os valores de uma sociedade católica se espraiavam pela América portuguesa atingindo escravos, libertos, filhos de escravos que se tornavam padres, entre outros setores que acabavam por se referenciar numa vida sacramental e devocional reiterada no nível do cotidiano por homens como os padres João de Barcelos Machado e José Maurício Nunes Garcia. O primeiro filho de uma escrava com um padre, descendente de “homens bons” da terra, pastor de almas brancas, de cor, livres, libertas e cativas; o segundo filho de libertos, pai alfaiate e que se transformou em músico apreciado e beneficiado pelo rei. Diferentes e semelhantes, as trajetórias dos padres João de Barcelos e José Maurício, de certa forma, sintetizavam parte da história de construção de uma sociedade escravista, mestiça, hierárquica e cristã que se instalou nos trópicos e que, sustentando estas características, permite compreender de forma mais dinâmica e complexa os diversos sentidos do catolicismo conjugado à ação colonizadora.

 

 

Ingresó: 10 de octubre de 2013

Aceptado: 20 de diciembre de 2013

   

 

 

 

 

Trajetórias de clérigos de cor na América Portuguesa: catolicismo, hierarquias e mobilidade social

 

 

Resumem

 

O artigo tem como objetivo refletir sobre a articulação entre carreira eclesiástica e mobilidade social em uma sociedade escravista de Antigo Regime. Para tanto, pretende-se analisar as injunções da Igreja na promoção de um clero nativo na América portuguesa e a constituição de redes de sociabilidades que, articuladas em torno de valores hierárquicos cristãos, formularam estratégias para melhor posicionar na escala social os indivíduos a elas pertencentes. Com efeito, procurarei demonstrar que o processo de sacramentalização da sociedade projetado pela Reforma Tridentina, mesmo com seus limites, encontrou certa legitimidade quando visto por grupos e indivíduos como fator de projeção de seus interesses políticos e de representação social. Neste sentido, o processo de diferenciação social promovido pela expansão do escravismo colonial exigiu a constante reformulação das hierarquias e a consagração de espaços distintos para indivíduos oriundos de uniões mestiças que não se concebiam no mesmo patamar destinado aos escravos. São estas questões que emergem das trajetórias dos sacerdotes analisadas neste artigo, permitindo uma compreensão mais complexa da sociedade escravista cristã que se constituiu na América lusa.

 

Palavras Chaves: clero de cor – escravidão - catolicismo – hierarquias – mobilidade social

 

Anderson José Machado de Oliveira

 

 

Trajectories of clergy of color in Portuguese America: Catholicism, hierarchies and social mobility

 

 

Abstract

 

The article aims to reflect on the relationship between ecclesiastical career and social mobility in a slave society of the Old Regime. To this end, we intend to analyze the injunctions of the Church in promoting a native clergy in Portuguese America and the establishment of networks of sociability that articulated around Christian hierarchical values​​, formulated strategies to better position on the social ladder individuals belonging to them . Indeed, try to demonstrate that the process of sacramentalization society designed by Tridentine Reform, even with its limitations, found some legitimacy when viewed by groups and individuals as a projection of their political and social representation factor. In this sense, the process of social differentiation promoted by the expansion of colonial slavery required the constant reformulation of hierarchies and the consecration of distinct spaces for individuals from mixed race marriages that are not conceived at the same level for the slaves. These are issues that emerge from the trajectories of the priests analyzed in this article, allowing for a more complex understanding of the Christian slave society that was formed in Portuguese America.

 

Key words: clergy of color - slavery - Catholicism - hierarchies - social mobility

 

Anderson José Machado de Oliveira

 

 



* Professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A pesquisa que possibilitou a redação deste artigo é financiada pela FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) através da Bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado.

[1] Cunha, Dom Rodrigo da, Constituições Sinodais do Arcebispado de Lisboa, na Oficina de Paulo Craesbeek, Lisboa, 1656, p. 98.

[2] Vide, Dom Sebastião Monteiro da, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (edição de Bruno Feitler e Evergton Sales Souza), EdUSP, São Paulo, 2010, p. 224.

[3] Figuieroa-Rego, João de e Olival, Fernanda, “Cor da pele, distinções e cargos: Portugal e os espaços atlânticos portugueses (séculos XVI a XVIII)”, en Revista Tempo, Vol. 15, N° 30, Rio de Janeiro, 2011. pp. 121 e 139.

[4] Mattos, Hebe Maria, Marcas da Escravidão: biografia, racialização e memória do cativeiro na História do Brasil, Tese de Titular em História do Brasil, UFF, Niterói, 2004, pp. 236-237.

[5] Olaechea, Juan Bautista, El mestizage como gesta, Editorial MAPFRE, Madrid, 1992, pp. 158, 202-203.

[6] Menegus, Margarita e Salvador, Rodolfo Aguirre, Los índios, el sacerdocio y la Universidad en Nueva España- Siglos XVI- XVIII, UNAM, México, 2006, pp. 19-21.

[7] O Bispado do Rio de Janeiro, criado em 1676, abrangia um longo território que ia da Capitania do Espírito Santo até o Rio da Prata, tendo jurisdição sobre o sul da Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Colônia do Sacramento, e, até 1745, sobre São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

[8] Castro, Hebe Maria Mattos de, Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista- Brasil século XIX, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1995; Guedes, Roberto, Egressos do cativeiro: trabalhos, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c. 1798-1850), Mauad X/Faperj, Rio de Janeiro, 2008; Soares, Márcio de Sousa, A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o governo dos escravos nos Campos dos Goitacases, c. 1750- c. 1830, Apicuri, Rio de Janeiro, 2009.

[9] Grendi, Edoardo, “Microanálise e história social”, em Oliveira, Mônica Ribeiro de e Almeida, Carla Maria Carvalho de (Orgs.), Exercícios de micro-história, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2009, p. 23.

[10] Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro (doravante ACMRJ), Testamento de Pedro Afonso da Costa, 1775, Livro 18 da Sé (Testamentos e Óbitos).

[11] Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (doravante IANTT), Inquisição de Lisboa (doravante IL), Francisco de Paredes, Processo n. 8198. Agradeço a Carlos Eduardo Calaça por disponibilizar de suas anotações sobre o processo inquisitorial de Francisco de Paredes antes de minha consulta ao processo original.

[12] Faculdade que um bispo concedia a um súdito seu de poder ser ordenado por outro diocesano.

[13] Quando havia necessidade de se comprovar que se estava de fato sob a jurisdição de um bispado para poder ser ordenado pelo seu respectivo diocesano.

[14] Menegus, Margarita e Salvador, Rodolfo Aguirre, 2006, op.cit., pp. 93-101.

[15] Fragoso, João, “A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas no Império português: 1790-1820”, in Fragoso, João, Bicalho, Maria Fernanda e Gouvêa, Maria de Fátima (orgs.), O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII), Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2001, pp. 332-333.

[16] Originados por uniões não legitimadas pelo casamento católico.

[17] Brügger, Silvia Maria Jardim, Minas Patriarcal: família e sociedade (São João del Rei- séculos XVIII e XIX), Anablume, São Paulo, 2007, p. 54.

[18] Bosl, Karl, “Castas, Ordens e Classes na Alemanha”, in Mousnier, Roland (org.), Problemas de estratificação social, Actas do Colóquio Internacional (1966), Livraria Martins Fontes, Lisboa, s/d, pp. 21-22.

[19] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., pp. 69-93.

[20] ACMRJ, Habilitações Sacerdotais (doravante HS), João de Barcelos Machado, 1669.

[21] ACMRJ, Habilitações Sacerdotais (doravante HS), João de Barcelos Machado, 1669.

[22] Sampaio, Antonio Carlos Jucá de, Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650- c. 1750), Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 2003, p. 74.

[23] Fragoso, João, “Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra no Rio de Janeiro (1600-1750)”, in Fragoso, João Luís Ribeiro, Almeida, Carla Maria de Carvalho y Sampaio, Antonio Carlos Jucá de (orgs.), Conquistadores e Negociantes. Histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América Lusa, séculos XVII a XVIII, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007, p. 85-93; Fazenda, José Vieira, Os Provedores da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Oficinas Gráficas da Fundação Romão de Mattos Duarte, Rio de Janeiro, 1960, pp. 41-42; Araújo, José de Souza Azevedo Pizarro e, Memórias históricas do Rio de Janeiro, Vol. 3, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1945, p. 97.

[24] ACMRJ, HS, João de Barcelos Machado, 1669.

[25] Brügger, Silvia Maria Jardim, 2007, ob.cit., pp. 202-203.

[26] Brügger, Silvia Maria Jardim, 2007, ob.cit., pp. 202-207.

[27] Soares, Márcio de Sousa, 2009, ob.cit., p. 250.

[28] Bourdieu, Pierre, A Economia das Trocas Linguísticas, Edusp, São Paulo, 2008, p. 98.

[29] ACMRJ, HS, Manoel Ribeiro Antunes, 1678; João de Maris Velho, 1682-1687.

[30] Esta informação foi possível graças à consulta ao banco de dados sobre os registros de batismos da Freguesia da Sé organizado por Roberto Guedes, a quem de público agradeço.

[31] Araújo, José de Souza Azevedo Pizarro e, 1945, ob.cit., p. 12.

[32] ACMRJ, Irajá, Livro 1, Óbitos de Pessoas Livres, 1678-1731, [em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].

[33] Neves, Guilherme Pereira das, E Receberá Mercê. A Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular no Brasil 1808-1828, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1997, p. 66.

[34] Paiva, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império 1495-1777, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006, p. 286-287.

[35] Neves, Guilherme Pereira das, 2006, p. 138-156.

[36] Barral, María Elena, De sotanas por la pampa: religión y sociedad en el Buenos Aires rural tardocolonial, Prometeo Libros, Buenos Aires, 2007, pp. 23-40.

[37] Lemaitre, Nicole, “Entre Reformes et Contre-Reforme”, en Histoire des cures, Fayard, Paris, 2002, pp. 156-159.

[38] Coaracy, Vivaldo, O Rio de Janeiro no século XVII: raízes e trajetórias, Documenta Histórica, Rio de Janeiro, 2009, p. 103; Abreu, Maurício de Almeida, Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700), Vol. 1, Andrea Jakobsson & Prefeitua Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010, pp. 348-350; Sampaio, Antonio Carlos Jucá de, 2003, ob.cit., pp. 114-117.

[39] ACMRJ, Visitas Pastorais (doravante VP), Notícias do Bispado do Rio de Janeiro, 1687. Agradeço ao Professor João Fragoso a cessão da transcrição do documento.

[40] Rheingantz, Carlos G., Primeiras Famílias do Rio de Janeiro (Séculos XVI e XVII), Vol.1, Livraria Brasiliana Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 217; ACMRJ, Irajá, Óbitos 1688-1730, [em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].

[41] Rheingantz, Carlos G., 1965, ob.cit., p. 217; ACMRJ, Irajá, Batismos 1700-1728, [em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].

[42] Rheingantz, Carlos G., 1965, p. 216; ACMRJ, Irajá, Matrimônios 1666-1734, [online] https://familysearch.org  [Consulta: 10/10/2013].

[43] Barral, María Elena, 2007, ob.cit., pp. 35-41.

[44] “Livro de Batismo dos Pretos pertencentes à Paróquia de Irajá”, Transcrição de Bartolomeu Homem d’El Rei Pinto, Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 108, Rio de Janeiro, 1988, pp. 129-173.

[45] IANTT, IL, Francisco de Paredes, Processo N° 8198.

[46] ACMRJ, HS, Francisco de Paredes, 1705.

[47] “Livro de Batismo dos Pretos pertencentes à Paróquia de Irajá”, pp. 140 e 147.

[48] IANTT, IL, Francisco de Paredes, Processo N° 8198.

[49] Araújo, José de Souza Azevedo Pizarro e, 1945, ob.cit., p. 12.

[50] ACMRJ, Irajá, Óbitos 1731-1781, [em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].

[51] Araújo, José de Souza Azevedo Pizarro e, O Rio de Janeiro nas Visitas Pastorais de Monsenhor Pizarro, Vol. 1, INEPAC, Rio de Janeiro, 2008, pp. 61-62.

[52] ACMRJ, Irajá, Óbitos 1731-1781, [em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].

[53] Grendi, Edoardo, 2009, ob.cit., p. 27.

[54] Com relação ao papel de um clero de cor nesse processo, já havia desenvolvido argumentação semelhante em: Oliveira, Anderson José Machado de, “Padre José Maurício: ‘dispensa da cor’, mobilidade social e recriação de hierarquias na América Portuguesa”, in Guedes, Roberto (org.), Dinâmica Imperial no Antigo Regime Português: escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados, Mauad X, Rio de Janeiro, 2011.

[55] ACMRJ, HS, José Maurício Nunes Garcia, 1791.

[56] ACMRJ, HS, José Maurício Nunes Garcia, 1791.

[57] ACMRJ, Habilitações Matrimoniais (doravante HM), Apolinário Nunes Garcia e Vitória Maria da Cruz, 1762.

[58] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., p. 296.

[59] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., pp. 304-309.

[60] Levi, Giovanni, A herança imaterial, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000, p. 195.

[61] ACMRJ, HS, José Maurício Nunes Garcia, 1791.

[62] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., p. 121.

[63] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., pp. 253-256; Castagna, Paulo, “O som da Catedral de Mariana nos séculos XVIII e XIX”, in Furtado, Júnia Ferreira (org.), Sons, formas, cores e movimentos na modernidade atlântica: Europa, Américas e África, Annablume/PPGH-UFMG, São Paulo/Belo Horizonte, 2008, p. 92.

[64] ACMRJ, HS, José Maurício Nunes Garcia, 1791.

[65] Fernandes, Valter Lenine, Os contratadores e o contrato da dízima na Alfândega do Rio de Janeiro (1726-1743), Dissertação de Mestrado, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2010, pp. 25-28, 171.

[66] ACMRJ, HS, Manoel Antunes Marcelo e Tomás Antunes Marcelo, 1783-1786.

[67] Sampaio, Antonio Carlos Jucá de, 2003, ob.cit., pp. 116-127.

[68] ACMRJ, HS, Manoel Antunes Marcelo e Tomás Antunes Marcelo, 1783-1786.

[69] Araújo, José de Souza Azevedo Pizarro e, 2008, ob.cit., p. 73.

[70] Chaon, Sergio, Os convidados para a ceia do senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820), EdUSP, São Paulo, 2008, pp. 61-97.

[71] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, “Mobilidade social nas carreiras eclesiásticas em Portugal (1500-1820)”, Análise Social, Vol. XXXVII, N° 165, Lisboa, 2003, p. 1222.

[72] Levi, Giovanni, 2000, ob.cit., pp. 96-97.

[73] Bourdieu, Pierre, 2008, ob.cit., pp. 97-103.

[74] Soares, Marcio de Sousa, 2009, ob.cit. p. 241.

[75] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, 2003, ob.cit., pp. 1218-1225; Neves, Guilherme Pereira das, 2006, pp. 201-205; Oliveira, Anderson José Machado de, Devoção Negra: santos pretos e catequese no Brasil colonial, Quartet/Faperj, Rio de Janeiro, 2008, pp. 53-66; Bosl, Karl, s/d, ob.cit.,; Delumeau, Jean, “Movilidad social: ricos y pobres en la epoca del Renascimento”, Ordenes, Estamentos y Classes, Coloquio de historia social Saint-Cloud, 24-25 de mayo de 1967, Siglo Veintiuno, Madrid, 1978; Villalta, Luiz Carlos, “A Igreja, a sociedade e o clero”, in Lage, Maria Efigênia de Resende e Villalta, Luiz Carlos (orgs.), História de Minas Gerias, As Minas Setecentistas 2, Autêntica/Companhia do Tempo, Belo Horizonte, 2007, pp. 30-31.

[76] Faria, Sheila Siqueira de Castro, A Colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1998, p. 21.

[77] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, 2003, ob.cit., pp. 1225-1226.

[78] ACMRJ, HS, José Maurício Nunes Garcia, 1791.

[79] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., pp. 85 e 275.

[80] Arquivo da Venerável Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro (doravante AVISPCRJ), Entrada de Irmãos (1781-1825); Mattos, Cleofane Person de, Catálogo Temático da Obras do Padre José Maurício Nunes Garcia, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1970, p. 12.

[81] Schwaller, John F, “Los miembros fundadores de la Congregación de San Pedro, México, 1577”, in López-Cano, Pilar Martínez, Wobeser, Gisela Von, Muñoz, Juan Guillermo (coords.), Confradías, Capellanías y Obras Pías en la América Colonial, UNAM, México, 1998, pp. 109-110.

[82] Coaracy, Vivaldo, Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Itatiaia/EdUSP, Belo Horizonte/São Paulo 1988, p. 250.

[83] Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), Compromisso da Irmandade do Padre São Pedro Príncipe dos Apóstolos da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, 1732.

[84] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, 2003, ob.cit., p 1223.

[85] ACMRJ, Livro de Provisões da Catedral, 1789-1959, Fs. 9.

[86] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit.

[87] Biblioteca Nacional- Rio de Janeiro (doravante BN), Seção de Manuscritos, Documentos Biográficos- García, Dr. José Maurício Nunes, Apontamentos Para a notícia biográfica do Membro Correspondente do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil Dr. José Maurício Nunes Garcia, Rio de Janeiro, 1860, Fs. 8.

[88] Soares, Marcio de Sousa, 2009, ob.cit., pp. 248-249.

[89] Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGCRJ), Códice 43.4.16, Fs. 80-81.

[90] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit, p. 40.

[91] Silva, Maria Beatriz Nizza da, Ser nobre na Colônia, Editora da UNESP, São Paulo, 2005, pp. 208-212.

[92] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit. pp. 35-36; Mariz, Vasco, A música no Rio de Janeiro no tempo de D. João VI, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2008, pp. 59-61.

[93] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit., pp. 35-36.

[94] Mattoso, Kátia M. de Queirós, “Párocos e Vigários em Salvador no século XIX: as múltiplas riquezas do clero secular na capital baiana”, Tempo e Sociedade, V. 1, 1, Niterói, 1982, p. 21.

[95] BN, Seção de Manuscritos, Documentos Biográficos, García, Dr. José Maurício Nunes, ob.cit., Fs, 6-8.

[96] BN, Seção de Manuscritos, Documentos Biográficos, García, Dr. José Maurício Nunes, ob.cit., Fs. 8.

[97] Mendez, Fábio Faria, “Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX”, in Castro, Celso, Izecksohn, Vitor, Kraay, Hendrik (orgs.), Nova História Militar Brasileira, FGV, Rio de Janeiro, 2004, p. 114.

[98] Hespanha, António Manuel, “A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime”, Tempo. Vol. 11, 21, Departamento de História da UFF, Rio de Janeiro, 2006, p. 142.

[99] Levi, Giovanni, 2000, ob.cit.